Retomando as atividades após o recesso parlamentar, a Comissão de Administração Pública da Câmara Municipal de São Paulo realizou Audiência Pública nesta terça-feira (6/8) para discutir o PL (Projeto de Lei) 503/2023, que propõe a obrigatoriedade de que toda rede municipal atuante no pré-natal oriente os pacientes sobre a importância do zero consumo de álcool durante a gravidez, a fim de prevenir a SAF (Síndrome Alcoólica Fetal) – síndrome grave, sem cura, e que afeta o desenvolvimento do feto, podendo gerar danos cognitivos, comportamentais ou neurológicos.
Segundo a proposta, de autoria da vereadora Janaína Lima (PP), a orientação deverá acontecer, preferencialmente, por meio de cartilhas e folders. A justificativa do projeto destaca que a SAF é totalmente evitável por meio da prevenção, uma vez que, para salvaguardar a integridade física da criança, basta que a gestante se abstenha de consumir álcool durante a gestação.
Importante ressaltar que a Síndrome Alcoólica Fetal atinge um elevado número de vítimas. Estudos da OMS (Organização Mundial da Saúde) apontam que 12 mil bebês nascem com a SAF todos os anos, enquanto o Ministério da Saúde estima que 1 em cada 1000 nascidos vivos possuem a doença no Brasil. Contudo, como a síndrome é de difícil diagnóstico, é possível que os números possam ser ainda mais elevados.
A audiência contou com a participação de vários representantes da SPSP(Sociedade de Pediatria de São Paulo). Presidente da entidade, Renata Waksman destacou a importância de debater o tema. “Essa questão da Síndrome Alcoólica Fetal é gravíssima. As pessoas, muitas vezes, não tem noção. Acham que podem sim, inclusive, beber durante a gestação, no período que está amamentando. E de forma nenhuma isso pode acontecer, porque nós conhecemos as consequências, as sequelas. E sabemos que esse período de tolerância zero, ou seja, não ingerir nada de álcool durante a gestação e nem no período da amamentação, o quanto ele pode trazer de benefícios tanto para a gestante, pata a puérpera, para a lactante e, principalmente, para a criança”, frisou.
A médica Márcia de Freitas, também integrante da SPSP, reforçou a importância da conscientização sobre a SAF. “O que a gente quer nesse grupo de trabalho da Sociedade Brasileira de Pediatria é difundir exatamente isso: da importância da prevenção, que as mulheres não tomem nem um golinho de álcool, porque não existe uma dose segura do álcool”, disse.
Outra integrante da entidade, a pediatra neonatologista Maria dos Anjos fez seu mestrado sobre a frequência do consumo de álcool por gestantes e suas consequências na vida fetal e na vida embrionária. Na audiência, ela apresentou dados de sua pesquisa, obtidos em uma maternidade pública da capital, relacionados ao tema. “Cerca de 70% das mulheres que ficam grávidas não planejam a sua gestação. Então, até saber que estão grávidas, elas consomem muito álcool”, apontou.
“Eu percebi que cerca de 44% das mulheres consumiam álcool antes de engravidar e que, durante a gravidez, esse consumo passou a ser de 34%, então houve uma ligeira queda. Mas, comparando com o uso das outras drogas, principalmente tabaco, que também é uma droga lícita, apenas cerca de 30% delas consumiam antes de engravidar. E era muito mais fácil para elas desistir de fumar do que desistir de beber bebida alcoólica. Por que? Por que elas querem? Não. Eu acredito que seja pelo desconhecimento delas do quanto ao álcool traz malefícios para o seu bebê”, completou Maria.
Representante da Sogesp(Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), a médica e docente Vera Therezinha Medeiros Borges exaltou a importância da divulgação sobre a Síndrome Alcoólica Fetal e suas consequências. “Acho que é uma iniciativa excelente. Eu entendo que a gente precisa, sim, trabalhar no pré-natal sobre essas orientações porque, principalmente, o álcool é muito negligenciado no pré-natal, porque as pessoas, às vezes, ainda têm a falsa ideia de que pode tomar um golinho de cerveja, pode fazer um pouco de uso de álcool quando, na realidade, a gente sabe através de estudos que não existe nenhuma dose segura”, pontuou.
Falando em nome do Instituto Olinto Marques de Paulo, Sara Assis fez um depoimento pessoal sobre a necessidade de conscientização sobre a SAF. “Eu, a princípio, desconhecia qualquer coisa referente à SAF”, afirmou. “Muitas vezes é até falado da necessidade de tomar um golinho de vinho, às vezes uma cerveja preta para amamentação, ou algo nesse sentido. E, quando a gente começa a saber de todo o impacto que a SAF traz não só para a vida da criança, mas para a vida daquela família e para a vida da sociedade, a gente se coloca como protagonista de uma conscientização. Por isso, é importante que todo mundo saiba o quanto isso [beber na gestação] faz mal”, acrescentou Sara.
Por fim, Daffiner Piemonte Jaskonis, que adotou há cerca de um ano uma criança com SAF, também falou sobre o papel da conscientização para a prevenção da síndrome. “Eu, como mãe, vejo o quanto a síndrome alcoólica é atuante na família. Eu tenho terapias toda semana com a minha filha, toda semana coisas novas que eu estou descobrindo que fazem parte da síndrome. A minha filha, por exemplo, tem atraso cognitivo, atraso no desenvolvimento, agora eu estou descobrindo que ela tem otite de repetição devido à síndrome. Então, são muitas coisas que estou descobrindo nesse um ano”, comentou.
“E muita gente não tem noção que apenas um gole de álcool pode desencadear tanta coisa. Inclusive, quando eu falo que a minha filha tem síndrome alcoólica, ninguém conhece. Quando eu vou explicar, as pessoas de todas as classes sociais falam ‘nossa, não sabia que isso podia acontecer, não tinha noção’. Então, acho muito importante todo mundo ter esse conhecimento, mesmo os homens, também têm que ter essas informações para passar para a família”, enfatizou Daffiner.
Ao final, a vereadora Janaína Lima avaliou o debate. “O intuito dessa Audiência Pública é mobilizar toda a sociedade de pediatria, sociedade obstétrica e as mães que já sofrem com essa questão, e que buscam conscientizar as mães que estão nesse momento tão especial da vida, que é durante a gestação, para saberem a importância delas terem a consciência de não consumirem bebida alcoólica nesse momento tão especial da vida, que é a gravidez para a mulher”, concluiu a autora do projeto.
Também participaram da audiência desta terça os vereadores Gilson Barreto (MDB) – presidente da Comissão de Administração Pública, Ely Teruel (MDB), João Ananias (PT) e Jussara Basso (PSB). A íntegra do debate pode ser conferida no vídeo abaixo: