Nesta terça-feira (5/9), uma nova Audiência Pública, desta vez realizada pela Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo, retomou a discussão sobre o PL (Projeto de Lei) 448/2023, do Executivo, que pretende isentar, por dois anos, o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) de imóveis localizados na região da principal cena de uso nocivo de drogas do centro da capital, popularmente chamada de Cracolândia.
Aprovada em primeiro turno no Legislativo paulistano, a proposta estabelece que o benefício será concedido a imóveis residenciais e comerciais localizados no perímetro das ruas Guaianazes, dos Gusmões, dos Protestantes, Conselheiro Nébias, General Couto de Magalhães e Vitória. O objetivo é amenizar os impactos negativos causados pelo fluxo de dependentes químicos na região.
Em geral, os participantes da audiência reconheceram os méritos do projeto, mas criticaram pontos da proposta e sugeriram melhorias. Representando empresários da região, a advogada Roberta Ruiz Donha apresentou, por exemplo, um problema de finalidade nos benefícios do PL. “A maior parte dos imóveis contemplados pela isenção são imóveis residenciais”, afirmou.
“É certo que os moradores da região estão também afetados pela presença da Cracolândia, mas a limitação dos direitos deles não se dá no campo financeiro, mas na limitação de sua liberdade de ir e vir, de viabilizar aos seus filhos, crianças e adolescentes o direito de saírem de casa para ir às escolas, de poderem sair para trabalhar durante o dia ou à noite, para o lazer ou até mesmo para receberem um atendimento hospitalar direito, que estão intimamente ligados à dignidade humana e que não podem ser limitados em razão da ausência de políticas públicas eficazes”, ponderou Roberta.
Já o comerciante Fábio Zorzo, representante da Usi (União Santa Ifigênia), propôs a ampliação do perímetro da isenção do projeto e, paralelamente, a criação de políticas públicas de ressocialização dos usuários. “Estou aqui propondo que seja revista toda essa isenção de IPTU para uma área muito mais ampla”, sugeriu, citando que a rua Santa Ifigênia, a Rua das Motos e outros centros comerciais sejam beneficiados.
“Não é só dependente químico que está lá sofrendo na rua. Nós, como comerciantes também. Eu me proponho a contratar qualquer dependente químico que seja recuperado há mais de um ano, desde que o governo ajude com incentivos fiscais para o empresário que contrata essa pessoa. Nós podemos, como sociedade, reverter essa situação. Eu acho que é uma vergonha aceitarmos isso, a maior metrópole do Brasil, da América Latina, ter uma Cracolândia”, completou Zorzo.
Outros participantes também sugeriram a ampliação do perímetro de isenção, questionaram os critérios utilizados para a escolha das ruas contempladas, pediram mais políticas públicas para a região e alertaram para os eventuais problemas que uma dispersão indiscriminada dos usuários poderiam provocar em outras regiões da cidade.
Ações complementares
Durante a audiência, a secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Soninha Francine, também fez uma apresentação dos equipamentos públicos de acolhimento e das ações já existentes voltadas aos usuários de entorpecentes da capital. Ela destacou que o trabalho da pasta, atualmente, é intersecretarial, espacialmente em parceria com as secretarias de Assistência e Desenvolvimento Social, da Saúde e Desenvolvimento Econômico e Trabalho.
As ações são focadas em três linhas gerais: tratamento – levando em conta o tipo de dependência e o perfil de cada indivíduo; acolhimento – com ações integrativas para a reorganização e retomada da vida da pessoa; e trabalho e renda – com capacitação profissional e acesso ao mundo do trabalho.
“A pessoa passa por uma internação voluntária, involuntária, compulsória, sai sem fazer uso, desintoxicada, organizada, determinada e vai acontecer o quê com ela? Se não oferecermos um serviço de acolhimento, não oferecermos uma perspectiva de reorganização de projeto de vida, ajudarmos a desenvolver uma habilidade ou reaprender alguma coisa que ela já sabia antes, mas está desatualizada ou não consegue mais… É super desafiador, mas existem mais iniciativas, mais variadas e mais bem articuladas entre si do que existia antes”, destacou Soninha.
A secretária de Direitos Humanos acrescentou, ainda, que outra iniciativa deverá ser implementada em breve para complementar as ações existentes: o housing first. Este conceito, já aplicado com sucesso em outros países, parte do princípio de que o acesso imediato de uma pessoa em situação crônica de rua a uma moradia segura, individual, dispersa no território do município e integrada à comunidade, é essencial para sua reorganização pessoal e reinserção na sociedade.
“A pessoa que está completamente ‘zoada’ e sem condições não tem a menor chance de se organizar e se recuperar, quando tudo o que ela tem é a rua. A casa é um fator de organização”, explicou Soninha. “Não quer dizer que damos uma casa para ele, tiramos ele da rua e, pronto, problema resolvido. Não. Mas é que, com esse ponto de partida, o housing first, a partir disso você realmente consegue fazer um tratamento individualizado, mais intenso, mais próximo, para que a pessoa participe de todas as outras ofertas que a Prefeitura tem”, completou a secretária.
Posicionamentos
Líder do governo na Câmara, o vereador Fabio Riva (PSDB) pontuou os benefícios que o projeto trará para a população da região. “Nosso principal objetivo, e o prefeito está muito determinado, é eliminar, acabar com a Cracolândia, dar internação para quem precisa, revitalizar o centro da cidade, a polícia prender os traficantes e devolvermos o centro para a população”, disse Riva.
Presidente da Comissão de Finanças, o vereador Jair Tatto (PT) justificou o voto contrário em primeiro turno da bancada do partido ao projeto. “Nós compreendemos que é uma área muito restrita, e há uma observação que já há isenção para muitas famílias e comerciantes que já estão isentos. Basicamente, o voto contrário da nossa bancada se deu em função disso”, explicou.
Presente na audiência, o vereador Hélio Rodrigues (PT) levantou a necessidade de um aprofundamento nas ações para resolução do problema, que por um maior aprofundamento das iniciativas de atendimento a usuários de drogas. “A Prefeitura tem feito uma ação, as outras prefeituras fizeram, nós temos 30 anos de experiência naquela região de uso a céu aberto, então nós temos que só olhar essas experiências, saber as que deram certo e reimplantá-las, porque não pode ter a descontinuidade que temos de programas com relação à questão do uso de álcool e drogas que estamos vendo a céu aberto aqui na região da Santa Ifigênia e em vários lugares do centro”, analisou Rodrigues.
Representando o Executivo, o secretário municipal da Casa Civil, Fabrício Cobra Arbex, comentou que o PL de isenção é uma dentre um conjunto de ações voltadas ao centro e exaltou o trabalho conjunto com o Legislativo paulistano para a melhoria do projeto. “Destacar esse ponto importante, o quanto os vereadores têm trabalhado em conjunto, dando soluções, também aprimorando, dando sugestões. Teve o PIU (Projeto de Intervenção Urbana) Central, teve a Lei do Requalifica, agora a Lei do Triângulo, a Lei da Atividade Delegada que deve vir, essa questão do IPTU, muitas ações que a Câmara, os vereadores, com esse trabalho extremamente importante, efetivo, junto com o prefeito, junto com o governador, estão desenvolvendo para que tenhamos o combate e a solução desse problema da região central, várias ações para termos a requalificação”, afirmou Cobra.
Responsável pela condução dos trabalhos, o vereador Atílio Francisco (REPUBLICANOS) elogiou o debate. “O projeto vai ser aperfeiçoado em todos os detalhes que os senhores que participaram sugeriram, porque Audiência Pública não é só para cumprir critérios regimentais, ela é exatamente realizada para buscar o aprimoramento das pautas e dos projetos que são votados aqui na Câmara Municipal”, finalizou Francisco.
Também participaram da audiência, cuja íntegra está disponível abaixo, os vereadores André Santos (REPUBLICANOS), Isac Félix (PL), Rinaldi Digilio (UNIÃO) e Sansão Pereira (REPUBLICANOS), além do inspetor superintendente João Paulo Guilherme dos Santos, da GCM (Guarda Civil Metropolitana), e de representantes de outras secretarias.
A iniciativa do Executivo é louvável, foi proativo e busca o aprimoramento através da participação dos interessados na questão. Isso é democracia e nós, da USI – União Santa Ifigênia, estamos prontos a colaborar com sugestões e projetos voltados a revitalização do comércio e atividades culturais em todo o centro. Parabéns a Câmara Municipal por exercer a coordenação das discussões nas audiências públicas, o que nos trará o aperfeiçoamento necessário para esse projeto.