Aprovado em primeiro turno pelo Plenário da Câmara Municipal de São Paulo na semana passada, o PL (Projeto de Lei) 525/2022 foi debatido em Audiência Pública nesta quinta-feira (20/10). A discussão da proposta, de autoria do Executivo, foi promovida pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa).
A matéria em questão sugere o Auxílio Ampara, que prevê o pagamento de até um salário-mínimo a crianças e adolescentes da cidade de São Paulo que ficaram órfãos em decorrência do feminicídio – assassinato de mulheres cometido por causa do gênero.
Presidente da CCJ, a vereadora Sandra Santana (PSDB) intermediou o debate. Ela considera o projeto importante, já que o “Estado passa a colaborar dentro de um lar, onde também habitualmente a mulher se fazia provedora daquela casa, normalmente. São mulheres jovens, com filhos crianças e adolescentes, que eram o verdadeiro arrimo da família”.
A parlamentar explicou ainda que todas as contribuições apresentadas na audiência desta tarde serão analisadas, para eventualmente serem incorporadas no texto final. “As Audiências Públicas são a melhor parte, onde podemos de alguma forma aprimorar e melhorar um projeto que já chega aqui (na Câmara) com uma intenção muito boa”.
A vereadora Sandra Tadeu (UNIÃO), integrante do colegiado, também participou da audiência. A parlamentar fez considerações sobre a proposta e cobrou algumas informações, tais como o impacto orçamentário, como será feita a fiscalização dos pagamentos do auxílio e quantas crianças e adolescentes órfãos de vítimas do feminicídio há na capital.
“Vamos ter que fazer algo dentro dessa regulamentação para saber como será fiscalizado esse dinheiro. E eu tenho que saber também quantas crianças temos”, disse Sandra Tadeu. “Eu não posso fazer uma lei supondo que têm ‘X’ crianças, até pelo impacto orçamentário”.
O líder do governo na Câmara, vereador Fabio Riva (PSDB), e o vereador Thammy Miranda (PL), membro da CCJ, também acompanharam a audiência.
Ministério Público
O texto do Projeto de Lei foi elaborado pela Prefeitura para atender a uma solicitação do Ministério Público do Estado de São Paulo. A promotora de Justiça Silvia Chakian pediu celeridade na aprovação da proposta e esclareceu a finalidade da matéria.
“A ideia aqui é evidenciar a importância de criação de um benefício assistencial comprovadamente de baixíssimo impacto orçamentário para o município de São Paulo, e que tem condições de fazer diferença imediata na vida de muitas crianças, adolescentes e de famílias enlutadas”, disse a promotora.
Silvia também repercutiu dados nacionais para comprovar a necessidade de implementação de uma política pública voltada para a orfandade do feminicídio. “O PL não tem nenhuma intenção de elevar a categoria dessa orfandade causada por feminicídio a um patamar superior à de outras (orfandades)”.
Representantes da Prefeitura
O secretário municipal da Casa Civil, Fabricio Cobra, ressaltou a parceria entre o Executivo e o Ministério Público para a construção do PL. “Para que tenhamos a criação desse Auxílio Ampara para as crianças e adolescentes que ficaram órfãos decorrentes do feminicídio”.
Soninha Francine, secretária municipal de Direitos Humanos, destacou a importância da pasta no combate ao feminicídio e na criação de programas assistenciais. Soninha concorda com a proposta apresentada. “É tão óbvia a necessidade. Uma criança e um adolescente que se veem sem a sua mãe ou sem aquela mulher que é responsável pela criança ou adolescente em decorrência de feminicídio já lida com um sofrimento difícil até de imaginar”.
Embora considere o PL importante, Soninha entende que o texto carece de alguns ajustes para o segundo turno de discussão, em especial sobre pontos que determinam critérios para garantir direito ao benefício.
“Não é o caso de inscrição no CadÚnico, concordo que não é o caso de exigir matrícula em instituição de ensino na cidade de São Paulo, porque você pode estar abaixo ou acima da idade. Um adolescente de 16 anos que terminou o Ensino Médio, ele faz jus ao benefício”, falou a secretária. “O projeto prevê que pessoas com até 24 anos podem continuar recebendo o benefício, desde que estejam matriculadas no Ensino Superior. Eu incluiria aqui Ensino Técnico”.
Sociedade civil
A Audiência Pública também recebeu contribuições de representantes da sociedade civil e de instituições. A ex-vereadora da capital paulista e professora Aldaíza Sposati fez um panorama sobre o texto e apresentou uma sugestão. “O primeiro ponto, em nome da orfandade, nós temos que incluir nesse projeto a preocupação da cidade de São Paulo com o registro da orfandade. Os cadastros que têm no serviço, sejam escola, saúde, educação e assistência social, têm que incluir necessariamente a identificação da orfandade. Fala-se muito na busca ativa, mas ninguém vai sair na rua perguntando se tem órfão ou não”.
Milton Alves Santos é coordenador executivo da Coalizão Orfandade de Direitos. “Nós sabemos do trauma gerado neste caso por um crime hediondo, e em outras situações por uma ausência repentina de um cuidador, neste caso cuidadora, e nas outras situações mais estendidas. A nossa proposta é que seja levado em conta de fato a criação de um sistema de acompanhamento integral”.
Vice-presidente da Associação Bem Comum, Clésio de Lima Sabino, também contribuiu com o debate. “Queria que pensássemos um pouco na possibilidade de ampliação, de discutir melhor e olhar para os territórios e ver qual é o cenário que está colocado para essa necessidade de recurso e de suporte”.
Leandro Ferreira representou o gabinete do vereador Eduardo Suplicy (PT), e disse que o mandato do parlamentar protocolou na Casa um texto substitutivo, que também foi dividido em três emendas. Entre os pontos tratados por Leandro estão a apresentação de uma estimativa de custo do projeto, os critérios estabelecidos para acessar o auxílio e a ampliação do benefício para outras orfandades.
“Esse substitutivo propõe a incorporação de o benefício alargar o seu conceito de orfandade até os órfãos de Covid, e fala também desses parâmetros de acesso e permanência no benefício, seja ele aprovado como está, seja ele aprovado com o benefício para a Covid”, disse Leandro Ferreira.
O procurador de Justiça e professor Eduardo Dias de Souza Ferreira ressaltou que tem debatido temas relacionados à infância. De acordo com ele, “o projeto afeta a política de infância e juventude da cidade de São Paulo”. Eduardo disse ainda que atualmente “não existe um aparato, no Estado nem na cidade, que dê o filtro para sabermos e detectarmos quem são os órfãos”. O procurador acrescentou dizendo que a “inciativa é louvável, é importante, mas que deve ser, acredito, implementada, porque se não a gente vai, e é que percebemos hoje, a legislação da infância veio da época da indiferenciação, do germinal”.
O que diz o texto do PL aprovado em primeiro turno
O auxílio está previsto para as crianças e os adolescentes menores de 18 anos de idade, moradores da cidade de São Paulo, matriculados em uma instituição de ensino na capital e inscritos no CadÚnico (Cadastro Único). O texto determina ainda que os beneficiários estejam sob guarda oficializada por família acolhedora ou tutela e, em caso de estarem inseridos em um ambiente familiar, a renda total do lar não pode ultrapassar três salários-mínimos.
No texto do projeto, o governo também estabelece critérios para a manutenção do Auxílio Ampara. Será obrigatório estar em dia com o calendário nacional de vacinação e ter frequência escolar mínima de 75%. Outros requisitos são ter acompanhamento nutricional e do Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio. O PL também determina que o público beneficiado esteja “ausente de prática de ato infracional, crime ou contravenção penal”.
Outro ponto do projeto permite que pagamento do auxílio seja estendido até que o beneficiário complete 24 anos de idade. No entanto, exige parecer social para comprovar situação de vulnerabilidade. Estar matriculado em um curso de graduação reconhecido pelo Ministério da Educação também é quesito para estender o Auxílio Ampara.
Dados do feminicídio no Brasil
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública analisou informações das secretarias estaduais de segurança pública e mostra que em 2021 foram registradas 1.319 mortes de mulheres vítimas do feminicídio no Brasil. De acordo com o estudo, em média, uma mulher é morta por conta do gênero a cada sete horas. O levantamento do Fórum também estima que no ano passado mais de 2,3 mil brasileiros ficaram órfãos no País devido ao feminicídio.
Próxima audiência
O PL 525/2022 será discutido novamente em Audiência Pública na próxima quarta-feira (26/10), às 13h. O requerimento do debate é da Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher.
Assista à Audiência Pública da CCJ que discutiu o projeto que cria o Auxílio Ampara no vídeo abaixo: