Em 2011, o ativista Jean Katumba denunciou um caso grave de fraude eleitoral em seu País, a República do Congo, e passou a ser perseguido pelo Governo. Desde então, sua vida nunca mais foi a mesma. O engenheiro civil teve de fugir às pressas para não ser morto.
Sem destino, deixou para trás o emprego e a família. Hoje ele é mais um dos 9,7 mil refugiados que tentam uma nova vida em território brasileiro, segundo balanço do Ministério da Justiça. A história dele se misturou a muitos dos relatos contados nesta sexta-feira na Câmara Municipal de São Paulo.
Reunidos pelo Dia Mundial dos Refugiados (20 de junho), Jean e os colegas estrangeiros que lotaram o Plenário 1º de Maio não vieram comemorar a data, mas sim expor as necessidades que milhares de pessoas ainda enfrentam no País.
Dificuldades que começam no momento do desembarque e se estendem por anos, numa busca desgastante por reconhecimento e cidadania. Para dar apoio aos refugiados, Katumba fundou a ONG África do Coração, entidade que organizou o evento no Palácio Anchieta.
“A importância desse dia é a lembrança de que ninguém quer ser refugiado. Nesse evento, os refugiados falam dos próprios desafios deles. Porque na maioria das vezes, só as entidades falam. Então a gente escolheu a Câmara, porque é aqui que as leis são feitas. Somos como doentes que precisam dizer exatamente o que sentem para o médico dar o remédio adequado. Aqui nós temos de falar dos nossos problemas para que as leis se encaixem a nós”, justificou.
Apesar do nome, a África do Coração não foi criada apenas para ajudar africanos que chegam ao Brasil. De acordo com o administrador da ONG, Abdulbaset Jarour, que é sírio, a entidade reúne gente de mais de 20 países, do Oriente Médio, Ásia, Europa e América Latina. Ele explicou que o evento faz parte de um projeto maior, batizado de Copa dos Refugiados.
“A gente estava pensando chamar a atenção da mídia brasileira. Em 2014, com a Copa, tivemos essa ideia, porque o futebol une os povos e é uma linguagem universal. Hoje em dia nós já temos vários patrocinadores e a mídia brasileira passou a falar dos refugiados através dessa Copa. É um projeto maravilhoso”, disse.
Abdul, como é chamado, era empresário e estudava administração em Aleppo quando seu bairro foi atacado por bombas. Ele acabou fugindo às pressas e se separando da família. Antes de sair, viu o pai ser morto e a irmã perder uma perna.
Ele ressaltou que expor a condição dos refugiados na mídia é fundamental para combater o preconceito. “Porque aqui eu já fui chamado de terrorista e homem-bomba só porque sou árabe e muçulmano. E vários refugiados da África também estão sofrendo com o racismo”, desabafou.
O evento na Câmara Municipal contou com a participação de outras ONGs envolvidas no trabalho de apoio aos refugiados, como a Acnur (Agência da ONU para Refugiados), a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e a Cruz Vermelha.
A Prefeitura foi representada pela coordenadora adjunta de políticas para migrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Andrea Zamur disse que a pasta é sensível aos problemas apresentados.
“A gente continua não só mantendo vários programas iniciados na gestão passada, como ampliando para atender outras demandas. A questão do curso de português, por exemplo, é essencial para inserir essas pessoas na sociedade. E São Paulo será a primeira cidade do País a ter esse curso oferecido pelo Poder Público. Outra coisa importante é a criação do Conselho Municipal de Imigrantes, que é uma maneira de inserir essas pessoas na vida política da cidade”.
O encontro dos refugiados no Plenário da Câmara teve apoio do vereador Caio Miranda (PSB).