Especialistas em legislação fundiária participaram de um seminário nesta terça-feira (8/8) na Câmara Municipal de São Paulo para discutir o impacto de uma Lei recente do Governo Federal sobre as políticas públicas de regularização de terrenos em áreas urbanas e rurais.
O novo regulamento, que atualiza a Lei 11.977/2009 (base do programa Minha Casa Minha Vida), foi sancionado pelo presidente Michel Temer no dia 11 de julho.
No evento, de iniciativa do vereador Senival Moura (PT), os convidados da mesa apontaram para uma série de problemas relacionados à nova legislação. De acordo com a advogada Rosane Tierno, mestre em Direito das Relações Sociais e consultora de Direito Ambiental e Urbanístico, a nova Lei praticamente revoga muitos avanços alcançados na área nas últimas décadas, desde que o tema da regularização fundiária foi tratado pela primeira vez de forma mais clara, na Constituição de 1988. Além disso, ela critica o governo Temer por ter beneficiado donos de propriedades de alto padrão.
“Essa legislação surgiu no ano passado [por meio de uma Medida Provisória do Governo] às vésperas do Natal, sem debate popular algum, sem conversa com movimentos de moradia ou universidades. E é chamada também de MP da grilagem, que virou Lei para anistiar áreas públicas que estão nas mãos de pessoas com média ou alta renda, em condomínios fechados. Já para as pessoas mais pobres, ela praticamente não avança”.
A Rosane também afirma que a Lei 13.465/17 causou um retrocesso jurídico em todos os Municípios, que ainda estavam começando a se adequar às regras de 2009. Agora, segundo a advogada, muitas cidades serão obrigadas a refazer os Planos Diretores, incluindo a capital paulista. “Porque a maior parte deles foi feita de acordo com a Lei anterior, e nenhuma Lei Federal vai ter a capacidade de alterar uma política fundiária se o Plano Diretor do Município não estiver adequado a essa nova Lei. Então, na prática, os processos de regularização vão ficar paralisados”, avaliou.
Também participaram do debate os advogados André Albuquerque, especialista em mediação de conflitos fundiários, Miguel Reis Afonso, diretor de Patrimônio da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), e Jorge do Carmo, advogado e militante de movimentos sociais. Após a apresentação, o seminário ganhou formato de Audiência Pública, com participação dos presentes, que lotaram o Salão Nobre e também o Auditório Freitas Nobre, na parte externa do Palácio Anchieta.
Paulo Sérgio, presidente da Associação de Moradores Boa Esperança, de Guaianases, na zona leste, reclamou da demora e da dificuldade para a regularização da casa própria na região.
“É muito difícil o reconhecimento. A gente ouve falar de Leis e mais Leis, mas raramente elas chegam à nossa realidade. Eu acho que falta interesse do Poder Público. A situação só pode ser resolvida com a união da sociedade civil, dos governos e do judiciário”.
A morosidade e a burocracia também frustram a presidente da Associação Piratininga dos Bairros Afins, Sigildes Bacelar Francesconi. Ela contou que a falta de uma rede de esgoto tem atrasado a regularização da área onde mora.
“A Prefeitura ainda não liberou a obra. Enquanto isso a gente não pode colocar o asfalto. E quando chove, a gente escorrega e cai, e se faz sol, as pedrinhas da terra também causam quedas. É uma ladeira e há muitos idosos. Temos cadeirantes, pessoas que não enxergam. E a gente tem problemas sérios com isso”, desabafou Sigildes.
De acordo com Senival Moura, a cidade de São Paulo abriga mais de cem áreas que necessitam de regularização fundiária. Apesar das críticas à nova Lei, o parlamentar tem uma visão otimista.
“Ela traz alguns problemas mas, de certa forma, também inova em alguns aspectos. É uma Lei muito nova e ainda é preciso entendê-la e interpretá-la um pouco melhor. E a razão da Audiência Pública hoje foi justamente para a gente tranquilizar as pessoas. Diversas lideranças relataram problemas relacionados à sanção dessa Lei. No entanto, isso não será problema para o futuro. Tudo deve ser resolvido na medida em que a legislação for regulamentada. Vamos continuar a luta”, disse.