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Remoções de famílias da Cracolândia durante a pandemia são discutidas em audiência pública

Por: DANIEL MONTEIRO
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6 de maio de 2021 - 15:59
JRaposo | REDE CÂMARA

O plano de remoções de famílias moradoras de imóveis na região da Cracolândia durante a pandemia foi debatido na manhã desta quinta-feira (6/5) durante a 7ª Audiência Pública virtual de 2021 da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente.

A realização do debate atendeu requerimento de autoria da vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), que também presidiu a audiência. Conforme apresentado no requerimento, o plano de remoções prevê que famílias, principalmente as que vivem nas quadras 37 e 38 do bairro Campos Elíseos – área demarcada como ZEIS 3 (Zona Especial de Interesse Social) -, sejam retiradas do local, visando a requalificação da região.

Manifestações

Ex-moradora das quadras 37 e 38 que acabou de se mudar para o Grajaú devido às remoções, Ângela Facundes dos Santos criticou a forma como se deram os despejos. “Eu morava e trabalhava na Alameda Cleveland há mais de 20 anos. No ano passado, a Prefeitura foi demolir dois terrenos e eu no meio, e a Prefeitura não me notificou de nada”, denunciou.

Maria das Graças Bernardino, moradora das quadras 37 e 38, relatou as dificuldades provocadas pelas ações de remoção na região. “Estou aqui há 18 anos. Faz uns 15 dias que eu estou mudando e ainda não consegui tirar todas as minhas coisas e eles [Prefeitura] deram apenas 10 dias para a gente sair”, afirmou.

Representante da Pastoral dos Moradores de Rua, Giulia Grillo, que acompanhou parte das remoções e auxiliou nas ações de proteção aos moradores locais, fez comentários sobre a postura da Prefeitura junto aos moradores da região. “Nesse tempo que eu fui de imóvel em imóvel, eu comecei a conhecer as pessoas que, mesmo depois de três anos que eu frequentava aqui, eu não fazia ideia que moravam ali. Então, na minha opinião, eu acho que a Prefeitura, a Cohab, eles deviam ter tido mais afinco, mais atenção nas ações”, disse.

Já Renato Abramowicz Santos, do Observatório de Remoções da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Conselho Gestor das quadras 37 e 38, falou sobre as dificuldades de diálogo com o Poder Público municipal. “A última reunião do Conselho Gestor foi em junho de 2020 e, desde então, nunca mais houve reuniões. Pedimos via Ministério Público e via Defensoria, pelos e-mails institucionais, uma reunião do conselho para obter esclarecimentos, responder dúvidas e questões que nós temos sobre as diretrizes que vão ser aplicadas ao projeto que vai ser construído ali. A gente tem muitas dúvidas das formas de garantia de que essa população vai conseguir ser atendida nos empreendimentos que a Prefeitura pretende fazer, até porque a gente sabe do perfil socioeconômico da população que ali vive e os e as diretrizes e os projetos da Prefeitura são sempre muito vagos”, destacou.

Advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e também conselheiro das quadras 37 e 38, Benedito Barbosa se manifestou sobre a arbitrariedade das ações do Executivo nas remoções. “Muitas famílias não conseguiram ser cadastradas pela Prefeitura para o recebimento do auxílio aluguel e outros benefícios. Inclusive, há uma discussão sobre esse cadastro, porque a Prefeitura informou que só atenderia [com os benefícios] os cadastrados e muitas famílias não conseguiram se cadastrar”, apontou.

O músico Marcelo Abednego Justino Generoso, conhecido como MC Nego Bala, é morador do território há mais de 20 anos e fez um longo desabafo sobre o descaso do Poder Público com a região da Cracolândia. “É desumano. Nós estamos exigindo algo que é nosso por direito [fim das remoções], como cidadão, como pessoa, como ser humano. No Centro, você pega tudo o que é desumano e o Estado vem e pratica aqui com a gente. Você é abordado e é esculachado independente de cor, cidadania, eles não respeitam aqui no Centro, principalmente se você for negro. É um desrespeito”, desabafou.

Na audiência, também houve diversas manifestações de ex-moradores e membros do Conselho Gestor da quadra 36, também na Cracolândia, que anteriormente foi alvo de remoções, bem como de entidades que atuam na questão da moradia, como o Fórum Aberto Mundaréu da Luz.

Poder Público

Após as manifestações dos moradores e representantes locais, Alexis Vargas, secretário-executivo de Gestão de Projetos Estratégicos da Secretaria Municipal de Governo, fez uma apresentação sobre o Programa Redenção, iniciativa intersetorial do município para prevenção, atenção e reinserção social de usuários de álcool e outras drogas.

O Programa Redenção foi criado em 2017 com o objetivo de atender os usuários abusivos de crack e outras drogas que se encontrem em situação de vulnerabilidade ou risco social. Com a instituição da Política Municipal Sobre Álcool e Outras Drogas, aprovada em 2019, o programa iniciou uma nova fase de atuação, cujas principais diretrizes são o tratamento, seja por redução de danos ou por abstinência, levando-se em consideração a individualidade e nível da autonomia dos usuários.

O foco do Programa Redenção é o SIAT (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica), que está instalado em diferentes áreas públicas e estratégicas da cidade e promove ações integradas de saúde, assistência e reinserção social divididas em três eixos: abordagem, acolhida temporária e tratamento e profissionalização com inserção social.

Em conjunto com o SIAT, também há o POT (Programa Operação Trabalho) Redenção, com ampliação e diversidade da oferta de qualificação profissional, visando a reinserção social das pessoas atendidas no programa. “Eu fiz esse contexto para mostrar para todos que a intervenção urbana nas quadras 37 e 38 acompanha um programa bem maior, que busca enfrentar uma situação muito complexa. A gente primeiro ampliou e alterou bastante a forma de atendimento das pessoas”, enfatizou Vargas.

“A intervenção urbana no território é muito relevante para o Programa Redenção, para que a gente possa reduzir, combater essa chaga que é a Cracolândia. E para ajudar as pessoas, a gente precisa mudar as condições do território”, reforçou o representante da Secretaria Municipal de Governo. “Longe de ser uma operação ilegal, isso aqui é uma operação que faz cumprir o Plano Diretor, trazendo moradia digna para a área central, para essa Zona Especial de Interesse Social que compõem essas quadras, trazendo pessoas da periferia para uma área onde tem uma infraestrutura urbana muito mais adequada para moradia”, pontuou Vargas.

“Então, ao contrário de estar expulsando as pessoas, o que essa intervenção urbana faz é trazer mais pessoas. Quando a gente puder concluir a desocupação das quadras 37 e 38, vamos construir várias torres para ter muito mais habitantes, atendendo as pessoas que moravam nas quadras 37 e 38, mas atendendo mais pessoas que vão poder vir morar no Centro, que é o que já acontece nas quadras 50 e 49, onde já temos torres construídas”, completou o representante da Secretaria Municipal de Governo.

Ele ainda comentou as críticas relacionadas aos despejos na região. “Quero deixar bem claro: não houve nenhuma desocupação coercitiva até agora. Todas as desocupações que aconteceram, aliás, todas as cessões de posse para a Prefeitura que aconteceram se deram pelos particulares, donos dos imóveis, entregando o imóvel livre de bens e pessoas para a Prefeitura. A Prefeitura não desocupou nenhum imóvel, ela apenas recebeu amigavelmente dos proprietários os imóveis desocupados”, finalizou.

Acerca do tratamento recebido pela população local durante as remoções, alvo de críticas dos participantes da audiência, a secretária municipal de Assistência Social, Berenice Maria Giannella, informou que o município sempre atua de forma a impedir que ocorram abusos. “Toda e qualquer eventual irregularidade praticada pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), qualquer conduta não legal ou abusiva da GCM é imediatamente comunicada e é apurado se houve algum excesso da guarda. Então a gente está muito tranquilo em relação a isso. Desvios de conduta podem acontecer, mas eles são prontamente comunicados e apuradas as responsabilidades”, destacou a secretária.

Manifestações

Para Rafael Negreiros Dantas de Lima, do Núcleo de Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a audiência explicitou as diferenças entre como a população e a Prefeitura enxergam a questão da moradia na região. “Essa audiência está sendo bem eloquente. Primeiro, por mostrar a fala de moradores e dos conselheiros, que demonstram um sentido, uma percepção sobre o que vem acontecendo e, quando vem a fala da Prefeitura, ela parece ser completamente oposta, que não dialoga com isso. Dá a impressão, pela apresentação, que foi uma intervenção no território muito bem executada. E para a gente contornar isso, eu acho que a gente tem que pensar muito em relação aos impactos da política pública como um todo. Não é uma questão de saber se foi feito um edifício maravilhoso ou não, mas quais os impactos gerais”, refletiu.

Coordenadora auxiliar do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Fernanda Penteado Balera questionou parte das estratégias de atuação do município na região da Cracolândia. “Eu acho muito complicado o discurso de se pensar que acabar com o fluxo, que tirar todos os imóveis dali, essa revitalização daquela região não leva em consideração as pessoas mais vulneráveis. Elas não vão simplesmente desaparecer. Para onde elas vão? O que vai ser oferecido para ela? Oferecer um SIAT maravilhoso, incrível como o de Ermelino, é claro que é positivo, Mas, e no centro? Cadê a política no centro para essas pessoas? Por que  a população em situação de rua e quem faz uso problemático de álcool e drogas não pode ter direito a um tratamento digno no centro, a um equipamento da qualidade do SIAT III na região central?”, indagou Fernanda.

Vice-presidente da Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, o vereador Eduardo Suplicy (PT) propôs a continuidade do debate em outras audiências. “Gostaria aqui de propor, nesses próximos dias, que nós das comissões de Política Urbana, de Direitos Humanos e da Saúde, venhamos a organizar uma nova audiência, que será continuidade desta. E, inclusive, com pessoas que poderão contribuir com uma avaliação de tudo o que tem acontecido”, sugeriu.

Já a vereadora Silvia da Bancada Feminista pediu que a Prefeitura leve em consideração as falas dos participantes da audiência antes de continuar com as ações na região. “Eu acho que a gente precisa ouvir, no sentido de ouvir e refletir também. Eu acho que é muito importante que o Poder Público, que hoje pôde ouvir essas pessoas, não só ouça, mas também reflita se é possível alguma mudança em relação a essas reclamações. Eu queria muito pedir que vocês reflitam se é possível haver modificações, porque a visão que essas pessoas têm, de quem mora e de quem vive, é uma. A visão do Poder Público é outra. E é necessário é que o Poder Público reflita sobre essas, indagações sobre essas angústias, sobre essas incertezas, essas inseguranças dessas pessoas que o foram moradoras ou que ainda são moradoras desse território”, afirmou a vereadora.

Também participaram os vereadores Ely Teruel (PODE), Juliana Cardoso (PT), Paulo Frange (PTB) e Renata Falzoni (PV).

A íntegra da audiência está disponível neste link (Parte 1) e neste link (Parte 2).

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