A atuação do SUS precisa de ajustes no caso de estrangeiros no Brasil
Karine Seimoha
Estima-se que, só em São Paulo, haja 400 mil imigrantes; 240 mil são “indocumentados”, isto é, não possuem documentos legais que comprovem sua origem e sua identidade. De acordo com a Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) visa à universalidade, portanto, imigrantes têm o direito de fazer uso do sistema. Pelo menos é assim na teoria. Essa é uma das principais dúvidas que os imigrantes têm ao desembarcar no país.
Porém, existem alguns obstáculos: diferenças linguísticas, culturais, falta de informação, desinteresse por parte dos profissionais, falta de documentação, entre outros, como destaca o imigrante cubano Raimundo Jesus Gálvez Ruiz – o Jesus –, de 60 anos. Ele é proprietário de uma banca de gêneros alimentícios cubanos na feira andina, na Praça Kantuta, região do Canindé. Jesus afirma que uma de suas maiores dificuldades no país é conseguir ser atendido pelo SUS. Relata que sempre que procura uma Unidade Básica de Saúde (UBS) é orientado a encaminhar-se à unidade em que está cadastrado – que, supostamente, fica próxima à sua residência. Jesus garante que há outras unidades mais próximas.
No Portal de Saúde do Governo Federal é possível encontrar uma ótima explicação sobre a gama de direitos e políticas públicas de saúde destinadas a vários grupos (negros, mulheres, camponeses, quilombolas, LGBT, ciganos e pessoas em situação de rua), mas o portal não presta esclarecimentos sobre imigrantes.
Nesse mesmo portal, no entanto, é possível observar a exigência de uma documentação mínima para fazer uso do SUS: RG, CPF, Certidão de Nascimento ou de Casamento para efetivar o Cartão do SUS. Trata-se de uma inconstitucionalidade, visto que a Constituição de 1988 garante atendimento a todas as pessoas, mesmo que “indocumentadas”.
Além disso, esse é mais um fator complicador e burocrático para que imigrantes façam uso do sistema, principalmente quando o imigrante não possui documentação alguma. Isso pode gerar uma contradição, visto que a base fundamental do sistema é a universalidade, que segundo definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), significa que todos os cidadãos de determinado país (nesse caso, Brasil) tem acesso a serviços de saúde – que podem ser públicos ou privados – sem que, para isso, sofram dificuldades financeiras, ou seja, atender a todos, sem discriminação de qualquer tipo ou cobrança.
Marco Antônio Manfredini, secretário-geral do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), reitera que a base do SUS é a universalidade, e que para que seja concedido o atendimento, não é necessária a apresentação de documentos. Relata ainda que, muitas vezes, a única espécie de vida institucional a que esses imigrantes sem documentação têm acesso é por meio do sistema público de saúde. Garante também que os surtos de tuberculose da população boliviana levaram agentes de saúde pública a descobrir que esses imigrantes viviam em condições de trabalho análogo ao escravismo.
“Há necessidade de aperfeiçoamento das políticas e da gestão pública na área da saúde, preparando gestores e profissionais da saúde para atender esta demanda das populações imigrantes internacionais, que possui especificidades e vulnerabilidades diferenciadas e que exigem a adoção de estratégias que dêem a garantia dos direitos à saúde no Brasil”, dizem Cátia Rufino e Sérgio Gonçalves de Amorim, na pesquisa Imigração internacional e Gestão Pública da Saúde na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) – Uma contextualização a partir das Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Questionado sobre casos como o de Jesus, Manfredini alega não ter conhecimento sobre isso e afirma que casos excepcionais como esses são tratados na Ouvidoria do SUS da cidade, e que não refletem a totalidade dos atendimentos a imigrantes realizados pelo sistema.
Assim, com todas as dificuldades e falhas do sistema, o imigrante que via o Brasil com a esperança da prosperidade, quase como uma terra prometida, acaba sendo vítima da burocracia e da desinformação e torna-se um “sem-saúde”.
O Portal da Câmara publica semanalmente os melhores textos de alunos que participam do projeto ‘Repórter do Futuro’ – uma parceria da Oboré (Projetos Especiais em Comunicação e Arte) com a Escola do Parlamento da Câmara Municipal, como uma maneira de estimular a excelência jornalística dos futuros profissionais do setor.
Ola, gostei do artigo, aguardo mais dicas como esta. Para mim que estou começando agora são dicas muito importantes.