O Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo sediou na noite desta segunda-feira (8/5) mais uma Audiência Pública para discutir a revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico). O debate foi solicitado pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente. Em pauta, o tema “Preservação da Memória e do Patrimônio do Quilombo Saracura/Vai-Vai”.
A proposta de revisão do Plano Diretor tramita na Casa no PL (Projeto de Lei) 127/2023. Nele, o governo municipal propõe ajustes em 75 artigos da legislação do PDE – a Lei n° 16.050, de 31 de julho de 2014. A norma está em vigor na cidade até 2029, ano em que será elaborado um novo texto.
Um dos pontos discutidos na audiência trata do Quilombo Saracura/Vai-Vai. Durante as obras de escavação para a construção da Linha-6 Laranja do Metrô, em 2022, no Bixiga, zona central da cidade, foi descoberto um sítio arqueológico. No local, onde antes ficava a quadra da escola de samba Vai-Vai, foram encontrados vestígios de antigos moradores da região.
Na abertura do debate, a vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), que conduziu os trabalhos desta noite, fez considerações sobre a temática da audiência. A parlamentar explicou que a discussão atende demandas de movimentos sociais, que pedem a preservação cultural e histórica da região do Bixiga.
“É a preservação dos achados arqueológicos ali onde estão sendo construídas as obras do Metrô. Tem uma reivindicação de que não só estes achados arqueológicos sejam preservados, mas que naquele local também haja um memorial”, disse Silvia, que acrescentou. “Que as pessoas que passem pelo território e pela futura estação do Metrô, saibam que ali existia um quilombo, que é o Quilombo Saracura. Que a estação do Metrô se chame estação Quilombo Saracura/Vai-Vai”.
Silvia da Bancada Feminista disse ainda que é fundamental garantir a permanência dos moradores locais na região, preservando os espaços históricos e culturais da população negra. “Uma comunidade negra, uma comunidade que tem uma história, que tem uma escola de samba ali no território e que não pode ser levada para outro território. Queremos a Vai-Vai dentro do território do Bixiga”.
As vereadoras Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) e Luana Alves (PSOL) contribuíram com o debate. Elaine pediu informações sobre as causas das enchentes na região central e repercutiu dados da representatividade negra na cidade. “41% das pessoas que se declaram negras e pardas, em São Paulo, estão na zona leste da cidade, e 31% das pessoas que se autodeclaram negras e pardas estão na zona sul. Dois territórios que contam essa história, de pessoas que foram retiradas das regiões centrais”.
Já Luana Alves lamentou a ausência de representantes do Metrô na discussão, cobrou medidas para combater o racismo e garantir a memória negra na capital paulista. “É muito importante termos essa audiência no dia de hoje, para conseguirmos fazer um volume, fazer uma força para falar sobre o Bixiga e o Saracura Vai-Vai, que é uma movimentação orgânica e importante do bairro, para que consigamos fazer frente a essa ofensiva das construtoras”.
Também registraram presença na audiência os vereadores Marlon Luz (MDB), vice-presidente da Comissão, os integrantes do colegiado Arselino Tatto (PT) e Sansão Pereira (REPUBLICANOS), bem como os vereadores Rodolfo Despachante (PSC), João Ananias (PT) e Jair Tatto (PT).
Prefeitura
O engenheiro Pedro Algodoal, da Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras), falou em nome da Prefeitura da capital paulista. Ele apresentou o plano do governo para a realização da drenagem nas bacias da cidade, entre elas a da região do Anhangabaú.
“A Siurb tem feito um planejamento das ações de drenagem necessárias para o controle de cheias para dar mais segurança, tanto para os usuários do corredor de ônibus quanto para o pessoal que circula. Vocês sabem o transtorno que acontece quando ocorrem as cheias”, disse Pedro.
Algodoal também contou que as obras de drenagem no Anhangabaú abrangem as regiões do Bixiga, do Saracura, das avenidas 9 de Julho e 23 de Maio, bem como da rua 25 de Março e do entorno do Mercado Municipal. Ele destacou ainda o histórico das inundações na cidade, o mapeamento dos riscos e as soluções previstas para minimizar os problemas com as enchentes. “Com a técnica necessária, mas com a integração também necessária com o bairro”.
O arquiteto Fernando Henrique Gasperini, da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, também participou da Audiência Pública. Ele contextualizou a elaboração da revisão do Plano Diretor Estratégico.
Participação popular
Representantes da sociedade civil, de entidades e de movimentos sociais apresentaram demandas relacionadas à construção de moradias populares para famílias de baixa renda e à preservação cultural e histórica da região do Bixiga.
Gisele Brito, do Movimento Saracura Vai-Vai, quer que a população local continue morando no bairro. Gisele também apresentou uma carta com reivindicações, onde estão destacados dez itens. “Em linhas gerais, queremos a permanência dos achados arqueológicos e o museu lá, mas não para que aquele território vire um território turístico. Queremos que isso seja mais uma forma de vínculo do território com a população negra, que nunca deixou aquele lugar”.
O diretor cultural da escola de samba Vai-Vai, André Felipe, resgatou a história de 94 anos da instituição. André falou sobre a mudança de endereço devido às obras da Linha 6 – Laranja e defende que a escola permaneça no Bixiga, a fim de manter a cultura local. “Temos trabalhado hoje com a seguinte ideia. A escola entende que nós só temos um ponto disponível na Bela Vista para a permanência dela, que é a ocupação do antigo Teatro Zaccaro, o Cine Rex, que está abandonado”.
O empreendedor Diego Gazola fez algumas considerações. Entre elas, ele também concorda com a possibilidade de a escola de samba Vai-Vai ser beneficiada com o espaço do Teatro Zaccaro. “Acho super oportuno, até para dar vida àquele local”.
Presidente do Sindicato dos Metroviários, Camila Lisboa afirmou que também luta pelas causas sociais debatidas na audiência. “Nós defendemos uma mobilidade antirracista, e uma mobilidade antirracista é expandir a possibilidade de as pessoas se transportarem em uma grande cidade como é São Paulo”.
Carmen Silva, do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), reconhece que o Bixiga dispõe de estrutura para viver, como, por exemplo, equipamentos públicos, comércio e cultura. No entanto, ela cobrou do Poder Público a construção de unidades habitacionais de interesse social na região e ressaltou a força dos movimentos sociais que atuam em prol de habitação.
“Pegamos prédios abandonados e os transformamos em áreas culturais, em moradias dignas, onde as pessoas podem ter acesso à educação, à cultura, ao lazer, porque esta é a prática da qualidade de vida de um bairro”, disse Carmen.
Luiz Gonzaga da Silva, conhecido como Gegê, representou o MMC (Movimento de Moradia do Centro). “Somos a favor do desenvolvimento, mas queremos que tenha desenvolvimento que respeite o direito às nossas vidas, porque sem respeito às nossas vidas e à nossa dignidade, não tem desenvolvimento também”.
Já Welita Caetano falou em nome da FLM (Frente de Luta por Moradia). Moradora do Bixiga há 25 anos, ela disse que “a nossa luta é a luta da classe trabalhadora, e essa classe trabalhadora tem cor. É o povo que sempre foi excluído, explorado, que foi expulso. Quando saiu da escravidão, não teve acesso à terra”.
Do movimento Parque do Rio Bixiga, André Luzzi aproveitou o espaço para falar de projetos econômicos e socioambientais para o bairro. “Tem uma área verde ali ao lado do Teatro Oficina, que pode ser muito significativo pensar em uma agrofloresta nesse território, pensar em geração de trabalho, emprego e renda, para pensar em ações socioeducativas, para desenvolver uma culinária da terra, para pensar de uma forma intensa de uma outra sociabilidade que não essa de mercado”.
Outro munícipe que contribuiu com o debate foi Felipe Gomes. Para ele, “devemos fortalecer a nossa luta combatendo o mal pela raiz. O mal da especulação imobiliária não vai ser varrido da cidade de São Paulo, como ele deve ser feito, sem a nossa participação. A participação dos movimentos populares, formando uma frente única pronta para combater o avanço da especulação, o avanço do capitalismo”.
Hotsite da revisão do PDE
A Câmara Municipal de São Paulo disponibiliza um hotsite da revisão do Plano Diretor Estratégico. Nele, a população encontra informações do PDE, as notícias das Audiências Públicas realizadas, além das datas, horários e local das próximas discussões. No hotsite, as pessoas também podem contribuir com sugestões preenchendo um formulário digital.
Crédito das fotos: Richard Lourenço | REDE CÂMARA SP
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A íntegra da Audiência Pública da Comissão de Política Urbana desta segunda-feira está disponível no vídeo abaixo: