Vinculada à Comissão Extraordinária de Segurança Pública da Câmara Municipal de São Paulo, a Subcomissão Temporária de Estudos sobre Homicídios Praticados Contra Jovens Negros e Periféricos recebeu, em reunião na tarde desta quinta-feira (24/6), a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, para discutir o panorama dos homicídios na capital.
Os trabalhos foram conduzidos pela presidente da Subcomissão, vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL). Também participaram o vice-presidente do colegiado, vereador Antonio Donato (PT); o vereador Milton Ferreira (PODE), integrante da Subcomissão; e os vereadores Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) e Fabio Riva (PSDB).
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentados na reunião, houve uma redução expressiva dos homicídios na cidade de São Paulo a partir do ano 2000, que vem se mantendo desde então, com uma leve inflexão em 2020. Em comparação com os índices nacionais, São Paulo ostenta números abaixo da média. “O fato é que ainda é muita gente, a gente ainda tem muitas pessoas que são impactadas pela violência, especialmente a violência letal, e que morrem anualmente em decorrência dessa violência na cidade de São Paulo”, enfatizou Samira.
Em números, entre 2017 e 2020, ocorreram em média 1.100 mortes violentas intencionais – que podem ser homicídios, lesões corporais graves seguidas de morte, latrocínio e mortes por intervenção policial. Em 2017, foram registradas 1.198 mortes violentas intencionais; em 2018, esse número foi de 1.171 vítimas; em 2019 houve 1.108 ocorrências deste tipo; e em 2020, foram registradas 1.031 mortes violentas intencionais.
Os dados mostram que boa parte dessas mortes atingem adolescentes e jovens (com idades entre 13 e 29 anos). No período entre 2017 e 2020, 1.721 adolescentes e jovens foram vítimas de mortes violentas intencionais na cidade de São Paulo. Se forem incluídas as ocorrências de crianças de 0 a 12 anos, esse número sobe para 1.755 vítimas.
Do total de mortes violentas de crianças, adolescentes e jovens com até 29 anos na capital, 54% foram decorrentes de homicídio (aí incluídos também os feminicídios), 42,7% ocorreram por intervenção policial, 2,2% foram decorrentes de latrocínio e 1,1% foram lesão corporal seguida de morte. “Se a gente considerar a população como um todo, esse percentual de homicídios cresce bastante e as mortes decorrentes de intervenção policial caem. Então, o que eu estou dizendo aqui, é que a segunda principal causa externa de mortalidade de jovens é a ação das polícias. Então, se a gente quer reduzir homicídios na cidade de São Paulo, e se a gente que reduzir os homicídios de jovens negros, a gente necessariamente precisa ter ações que visem a redução da letalidade da polícia, não apenas dos homicídios como um todo”, analisou Samira.
Na análise de mortos por faixa etária e o tipo de ocorrência, de 2017 a 2020, as pessoas com até 29 anos representaram 40,7% das vítimas de homicídios na cidade de São Paulo; 31,7% das vítimas de lesão corporal seguida de morte; 17,9% das vítimas de latrocínio e 78,3% das mortes por intervenção policial. “Pensando em estratégias de redução [de mortes violentas], uma política pública de redução dos roubos seguido de morte é diferente de uma estratégia de redução dos feminicídios, que, por sua vez, é diferente de uma estratégia de redução de homicídios que decorrem de disputas relativas ao tráfico de drogas e ao crime organizado, que, por sua vez, são diferentes das estratégias que visem a redução do uso de força pela polícia”, apontou a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em relação ao sexo dos adolescentes e jovens com até 29 anos vítimas de mortes violentas nos últimos quatro anos na cidade de São Paulo, o sexo masculino representava 99,3% das mortes por intervenção policial, 89,7% das mortes por latrocínio; 76,9% das mortes por lesão corporal seguida de morte e 85,1% das vítimas de homicídio. “Então aqui a gente percebe que, independente da ocorrência que a gente olhe, são do sexo masculino as principais vítimas da violência. O que a gente encontra na cidade de São Paulo é muito parecido com o que a gente encontra no Estado de São Paulo como um todo e, na verdade, também em outras regiões do país. A violência atinge de forma desproporcional pessoas do sexo masculino”, ressaltou Samira.
Na análise da raça/cor de adolescentes e jovens com até 29 anos vítimas de mortes violentas nos últimos quatro anos na capital, por tipo de ocorrência, os dados mostram que, nos latrocínios, 47,4% das vítimas eram negras, 44,7% brancas, 5,3% amarelas e 2,6% indígenas. Nos casos de homicídio, 65,4% das vítimas eram negras, 34,5% brancas e 0,1% amarelas.
Em ocorrências de lesões corporais seguidas de morte, 73,7% das vítimas eram negras, enquanto 26,3% eram brancas. Já nas mortes por intervenção policial, o índice foi de 70,3% de pessoas negras e 29,7% de brancas. “Em todos os casos nós temos uma sobrerrepresentação da população negra entre as vítimas. Mas, assim como nas outras estatísticas, a depender do tipo de ocorrência que resultou na morte desse adolescente e desse jovem, esse percentual varia. Por exemplo, no caso do latrocínio, que é o roubo seguido de morte, ainda que haja uma sobrerrepresentação de negros, a gente tem uma participação de amarelos e indígenas que a gente não viu nas outras ocorrências”, pontuou.
Na distribuição das mortes por distritos policiais na cidade de São Paulo, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública destacou que as regiões mais periféricas concentram os maiores índices de ocorrências de homicídios na capital. “Negros morrem mais do que brancos vítimas de homicídios, latrocínios e mortes por intervenções policiais, mas as áreas em que essas mortes ocorrem diferem muito pouco do ponto de vista da distribuição espacial. E elas tendem a ocorrer majoritariamente nas franjas da cidade, nas regiões mais periféricas”, enfatizou.
“Se a gente quer reduzir a violência letal na cidade de São Paulo, a gente precisa ter uma estratégia diferenciada de ação para cada tipo de ocorrência, compreendendo o que motivou essa ocorrência e como implementar políticas que visem a redução desses diferentes segmentos. Tem uma incidência muito diferente nas mortes de adolescentes de 14, 15 e 16 anos, se compararmos com os jovens de 20, 21 e 22 anos. Isso é especialmente verdade quando a gente está falando de mortes por intervenções policiais em relação aos homicídios dolosos, por exemplo. No caso das mortes por intervenções policiais, a gente tem vítimas mais jovens do que a média dos homicídios e elas não necessariamente acontecem nas mesmas regiões com a maior incidência de homicídios dolosos”, analisou Samira.
“É importante a gente não perder de vista essa diferença quando a gente vai discutir estratégias de prevenção à violência contra adolescentes e jovens periféricos negros, dado que eles são a maioria dos mortos, mas que as motivações em torno de cada um desses assassinatos podem variar muito e a gente precisa ter clareza dessas diferenças no momento em que a gente faz essas análises”, concluiu a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Questionada pelo vereador Antonio Donato sobre a recorrência de casos de homicídios em determinadas regiões da cidade, Samira apontou os principais territórios onde esses crimes ocorrem na cidade. “A gente tem uma certa frequência de regiões que concentram maior letalidade, seja por conta de homicídios, seja por conta de intervenções policiais. No caso dos homicídios dolosos, a gente tem o Jardim Herculano, na área do Jardim Ângela, que é recorrente e tem muitos homicídios nos quatro anos da série. A gente tem a região de Parelheiros com uma alta concentração de mortes, Campo Limpo, Capão Redondo, Perus, Jaçanã, Parque Santo Antônio, Jardim Miriam e Parada de Taipas. São alguns dos principais territórios que, ano após ano, a gente tem alguma recorrência”, respondeu.
A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ainda respondeu ao questionamento do vereador Donato sobre a relação entre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das regiões e os casos de mortes decorrentes de intervenção policial. “Com certeza isso tem relação com o batalhão e companhia. Isso é muito evidente. A gente tem, por um lado, a concentração desses casos que são de autoria da Força Tática, ou do BAEP, que essas unidades táticas e não necessariamente aquele patrulheiro comum. Do ponto de vista de uma cultura organizacional, a gente tem uma recorrência em determinadas unidades dentro desses batalhões. Mas sim, a gente tem uma distribuição de que isso tende a ocorrer mais em alguns batalhões”, afirmou.
“E aí eu acho que a gente tem duas questões a serem consideradas: tanto uma cultura organizacional mais voltada ao confronto como estratégia de trabalho, mas também tem uma questão de controle interno. A gente está falando de ocorrências que majoritariamente acontecem em intervenções da polícia militar. E em sendo da polícia militar, polícias militarizadas, a gente ache bom ou não – não estou fazendo um juízo de valor se é bom ou não ser militar ou não, a gente tem forças policiais militarizadas em diferentes países e isso não é uma exclusividade do Brasil -, o fato é que elas são muito sensíveis ao controle. Então, quando a gente tem mecanismos de controle dentro desses batalhões que estão mais preocupados em fazer o controle do uso da força, esses números tendem a cair. O que eu estou querendo dizer: a figura da supervisão desses policiais, o oficial superior que cuida do batalhão daquele território tem um papel muito importante”, explicou Samira.
“A estratégia é olhar para esses batalhões e dialogar com a polícia, porque eu diria que é mais simples a gente controlar do que se fosse algo que se distribuísse pela cidade toda de forma homogênea. A gente sabe onde acontece e a gente sabe quais são as equipes envolvidas, ou a polícia sabe quais são as equipes envolvidas”, completou.
Durante a reunião, Samira também comentou sobre as mortes de policiais e a situação dos agentes de segurança na capital. Questionadas sobre milícias, ela afirmou que não há dados suficientes para analisar se há o surgimento desses grupos na cidade. A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ainda abordou os casos de desaparecimentos forçados que ocorrem na cidade.
Participante da reunião, o vereador Milton Ferreira destacou a necessidade da implementação de mais políticas públicas para que os índices de mortes de adolescentes e jovens caiam nas periferias da capital. “Sabemos que a periferia da cidade de São Paulo é muito complexa, tanto para o Poder Público chegar e onde tem a força paralela. A gente sabe disso. Mas a gente sabe que faltam muitas políticas de inclusão social e prevenção”, comentou Ferreira.
Já a vereadora Elaine do Quilombo Periférico destacou a importância de se debater o tema. “Para gente esse é um tema extremamente pertinente, que a gente precisa de fato discutir aqui nesta Casa. A gente precisa ter dados oficiais, que a gente consiga balizar esses dados, oficializar eles aqui dentro desta Casa, para que a gente também consiga elaborar políticas públicas efetivas nesses territórios. E acho fundamental também que a gente consiga racializar o debate, já que as mortes também são racializadas”, disse Elaine.
Encaminhamentos
A Subcomissão de Estudos sobre Homicídios Praticados Contra Jovens Negros e Periféricos também redefiniu a periodicidade e horário de suas reuniões. Foi definido que as reuniões do colegiado agora serão intercaladas com as reuniões da Comissão de Segurança Pública e terão início às 13h. Devido ao recesso parlamentar, também foi acordada a antecipação da próxima reunião da Subcomissão, que deverá ocorrer no dia 15 de julho, às 13h.
Além disso, os vereadores concordaram que a partir da próxima reunião haverá a possibilidade de participação de representantes da sociedade civil nas discussões da Subcomissão. Por fim, durante o recesso parlamentar, serão realizadas reuniões técnicas do colegiado em regiões da cidade com altos índices de homicídios de jovens, para melhor análise do cenário.
A íntegra da reunião pode ser conferida aqui.