O mercado de trabalho para as pessoas trans e travestis foi o tema da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Violência Contra Pessoas Trans e Travestis da Câmara Municipal de São Paulo. Na reunião desta sexta-feira (10/6), a Comissão ouviu relatos de agressão sofrida pela população LGBTQIA+ durante a atividade profissional, recebeu depoimentos com bons exemplos e conheceu também ações práticas de empresas que promovem a inclusão dentro das organizações.
Presidente da CPI, a vereadora Erika Hilton (PSOL) ressaltou a importância de debater o assunto relacionado às pessoas trans. “Nós sabemos que 90% da nossa população vive hoje da prostituição, porque não consegue encontrar espaço no mercado formal de trabalho”.
“Essa é uma reunião extremamente importante, porque visa denunciar os abusos, a violência e a ausência de oportunidades para travestis e transexuais no mercado formal de trabalho. É também uma reunião que busca promover soluções e saídas para o enfrentamento destes desafios das violências que são praticadas”, disse Erika Hilton.
O primeiro a compartilhar histórias vividas durante o trabalho foi Joaquim Alves, que se apresentou como uma pessoa trans masculina. Ele é integrante do coletivo Transentrega e relatou uma agressão sofrida por um homem em setembro do ano passado, em uma ciclovia da Vila Sônia, zona oeste da capital, enquanto trabalhava como entregador por aplicativo. “Ele quebrou o meu nariz e quase fiquei cego. Hoje tomo vários antidepressivos, tenho dificuldade para sair às ruas e tenho medo da minha própria sombra”.
Bruniely Lemos é uma mulher trans, e atualmente embaixadora Trans do Instituto Avon. Ela defende que a diversidade esteja na pauta das empresas, e afirmou que ainda faltam informações relacionadas ao tema. Bruniely disse que a Avon desenvolve ações internas de sensibilização e tem um calendário para tratar do assunto.
“Temos uma sociedade sem muitas informações sobre identidade de gênero e orientação sexual. Têm pessoas que não sabem o que é cis e o que é hétero. Por isso, é importante ter pessoas trans dentro das organizações para levarem essas narrativas e criar essa sensibilização em todos os colaboradores”, falou a embaixadora da Avon.
Superintendente de Recursos Humanos da Atento, empresa de relacionamento com o cliente, Margarete Yanikian falou sobre a cultura organizacional e as ações desenvolvidas para promover a inclusão da diversidade. “Temos, hoje, organizados os temas de equidade de gênero, o tema racial, a questão da pessoa com deficiência, o pilar LGBTQIA+, e começamos a trabalhar o pilar geracional para falar da empregabilidade para pessoas 50+”.
Margarete explicou ainda que a Atento promove programas de diversidade, campanhas de comunicação e tem uma política para o uso do banheiro que a pessoa se identifica e para o nome social. “O nome social é aberto para o crachá, para o e-mail corporativo, para o cartão do vale-refeição ou vale-alimentação e em alguns sistemas onde a pessoa utiliza para o dia a dia de trabalho. Nós só não conseguimos com os sistemas que estão atrelados ao e-social”.
Gestora de clientes da Atento, a mulher trans Nicole Ferraz está na empresa há mais de 16 anos. Ela disse que o respeito é fundamental para permitir com que os funcionários e funcionárias consigam evoluir na carreira. “Nesses mais de 16 anos, eu tenho respeito. A companhia me confiou clientes e alta diretoria, para eu estar à frente entregando trabalho e participando de projetos. Pela Atento, já trabalhei em quase todo o Brasil”.
Outro relato compartilhado foi o da mulher trans Andréa Brazil, do projeto social Capacitrans, criado no Rio de Janeiro em 2018. Ela afirmou que já sofreu discriminação em diferentes ambientes, porém superou os preconceitos e hoje trabalha para “capacitar pessoas trans e travestis no universo do empreendedorismo”.
Também contribuiu com a CPI a arquiteta e mulher trans Mariana Valentim, de 49 anos. Ela é integrante do movimento feminino LOLA Brasil, presente em 22 países. Mariana contou que fez a transição de gênero aos 40 anos, e que sofreu preconceito no mercado de trabalho ao fazer a opção da transgeneridade. “Muitos clientes que já tinham me contratado, a partir do momento que fiz a minha transição de gênero, me chamaram de maluca. ‘Como assim uma mulher de 40 anos resolve mudar de sexo?’”.
No entanto, segundo Mariana, após os primeiros cinco anos da transição, a arquiteta disse que conseguiu conquistar mais respeito. “Depois, com essa transição mais consolidada, com esse espaço mais conquistado, foi ao contrário. As pessoas me contrataram por eu ter essa bandeira trans colocada no meu corpo”.
Executivo
Representando a Prefeitura da capital paulista, a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Aline Cardoso, também participou da reunião de hoje. A chefe da pasta destacou o Programa Transcidadania, que promove a reintegração social e o resgate da cidadania para travestis, mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade. Aline reiterou ainda que a Prefeitura divulga vagas de emprego por meio do Portal do Cate (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo).
“Estamos atuando no apoio direto às pessoas trans para que tenham os seus direitos garantidos, autonomia, oportunidades e autoestima. Estamos trabalhando também para que essas pessoas melhorem a escolaridade e a qualificação profissional”, disse Aline, que destacou ainda a importância de qualificar as habilidades técnicas e, especialmente, as socioemocionais. “Um dado muito importante, e isso nós ouvimos dos RHs das empresas, 90% das pessoas são contratadas pelo currículo, mas são mandadas embora pelo comportamento”.
A reunião da CPI, que contou também com a participação dos vereadores Eduardo Suplicy (PT), Silvia da Bancada Feminista (PSOL) e Xexéu Tripoli (PSDB), está disponível nos vídeos abaixo: links:
Parte 1
Parte 2
Estou sofrendo perseguição e transfobia no emprego