A Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo realizou, nesta quarta-feira (2/8), uma Audiência Pública para debater a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 45/2019, que altera o Sistema Tributário Nacional. Houve exposições técnicas dos governos federal e municipal e a participação da população com apontamentos.
O presidente do colegiado, vereador Jair Tatto (PT), comandou os trabalhos. Ele também é autor do requerimento que solicitou a Audiência Pública, cujo principal objetivo foi debater a reforma tributária e seus efeitos nas finanças públicas e na economia. A reforma tributária, prevista pela PEC 45/2019, visa alterar o sistema tributário nacional e mudar a forma como os impostos são cobrados no Brasil. A proposta prevê a substituição de alguns impostos por outros novos tributos.
A primeira fala dos convidados foi do secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy. Inicialmente, ele falou do projeto que foi aprovado na Câmara dos Deputados e que agora está em discussão no Senado. Appy explicou que o projeto propõe substituir cinco tributos atuais que ele classificou como “extremamente disfuncionais”. São tributos sobre a produção e consumo de bens e serviços: PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre produtos industrializados), que são impostos federais; o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é estadual; e o ISS (Imposto sobre Serviços), que é municipal. A proposta é a substituição pelo modelo chamado de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual.
“Vai ter dois impostos sobre valor adicionado, um federal com a contribuição sobre bens e serviços, e um que vai ser dos Estados e municípios, que será o Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS. Além desses tributos, vai ter um imposto seletivo de caráter extrafiscal, que tem como objetivo desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”, afirmou Appy.
O secretário extraordinário também ressaltou que a reforma é importante, porque o sistema atual de tributação da produção e consumo de bens e serviços tem “impactos muito negativos para o crescimento da economia brasileira”. Esses impactos, conforme Appy, são decorrentes da “enorme complexidade do sistema atual”.
“O Brasil é hoje, com certeza, o país que tem o sistema mais complexo do mundo de tributação da produção e consumo de bens e serviços e, portanto, isso tem um custo extremamente relevante para as empresas, essa burocracia. Essa complexidade gera litígio e o litígio gera custos para as empresas e para o Poder Público e gera insegurança jurídica que prejudica o crescimento do país. O sistema tributário atual gera uma série de distorções que acabam onerando investimentos e exportações. Uma parte dessas distorções decorre do que nós chamamos de incidência cumulativa, ou seja, são tributos que são pagos ao longo da cadeia e que não são recuperados porque num bom IVA você, todo tributo que é pago ao longo da cadeia de produção e comercialização ele é recuperado e, na verdade, como você desonera investimentos e exportações, você está desonerando completamente investimentos e desonerando completamente as exportações”, frisou.
Appy salientou que a reforma “não é uma proposta do governo, é uma proposta do Congresso Nacional” e que o objetivo é aumentar o potencial de crescimento da economia brasileira. “O que o governo tem feito é apoiar o Congresso Nacional para poder viabilizar a aprovação da reforma tributária, inclusive, por exemplo, financiando um fundo de desenvolvimento regional e apoiando que o Congresso tome as melhores decisões com base em informações dos impactos de diferentes opções na construção da reforma tributária, mas essa tem sido a função do governo”, disse.
O secretário extraordinário falou que sabe que existe uma preocupação do município de São Paulo com o efeito da reforma tributária sobre a sua arrecadação. “Mas com este mecanismo de transição e com esse mecanismo de seguro-receita esse efeito é muito diluído no tempo. Em 20 anos, a arrecadação de São Paulo cresce mais do que ela cresceria se ela crescesse proporcionalmente ao aumento do PIB (Produto Interno Bruto) sem a reforma tributária. São Paulo é o mais beneficiado pelo seguro-receita entre os entes da federação, entre Estados e municípios. Se São Paulo quiser arrecadar mais, mantém a sua autonomia para fixar a sua alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços”, pontuou Appy.
Contrapontos
Outro participante da discussão foi o assessor de Controle Externo do TCM-SP (Tribunal de Contas do Município de São Paulo), Philippe Duchateau, que fez uma apresentação de todos os pontos da reforma. “A parte que nos cabe, do Tribunal de Contas do Município, é fazer uma discussão sobre o texto aprovado na Câmara dos Deputados, principalmente no que diz respeito aos reflexos na administração fazendária do município de São Paulo. Quando eu digo nos reflexos na administração fazendária eu não estou só me referindo às consequências, providências que vão precisar ser tomadas no âmbito do Poder Executivo, mas também no âmbito desta Casa de Leis, no papel da Câmara Municipal, no seu papel legislativo e também no seu papel de fiscalização. E também consequências para o TCM-SP”, disse.
Já a diretora do Departamento Fiscal da Procuradoria Geral do Município, Priscilla Widmann, comentou que em relação à proposta, “pouco se falou sobre a competência jurisdicional”. “Houve certa alteração no artigo 109 da Constituição Federal que trata da competência da Justiça Federal, da competência originária para julgar conflitos entre o Conselho Federativo e os entes subnacionais, mas não está muito bem definido, pelo menos na proposta, essa competência em relação aos conflitos que vão existir entre os contribuintes e os entes. Isso é algo que a gente percebe que seria um ponto de aprimoramento, um ponto de atenção muito importante”, falou.
O secretário municipal da Fazenda, Luis Felipe Vidal Arellano, afirmou que o debate foi essencial para esclarecer à população de São Paulo sobre as possíveis repercussões da reforma tributária. “A cidade de São Paulo é uma das cidades que mais arrecada o Imposto Sobre Serviços hoje. E este imposto ao ser acoplado ao novo Imposto sobre Bens e Serviços, acaba sendo descentralizado para vários outros municípios e Estados do país. Essa descentralização termina por resultar numa redução da arrecadação da cidade de São Paulo, obviamente, podendo prejudicar a continuidade de serviços públicos e investimentos da cidade. Por isso, é importante que a cidade se mobilize para sensibilizar os senadores para a necessidade de compensar a cidade de São Paulo para que a gente não tenha nenhum tipo de prejuízo grave”, salientou.
O presidente da Comissão também enfatizou a importância de ouvir os representantes do governo federal e do município. “Eu acho que é uma discussão ampla, mas necessária. São 30 anos que se persegue essa reforma tributária. O objetivo principal da reforma tributária é criar uma justiça tributária melhor para o país. Obviamente, os municípios que mais arrecadam vão reclamar e os que menos arrecadam vão ficar satisfeitos. São Paulo arrecada mais que 19 Estados só em ISS”, explicou o vereador Jair Tatto.
Participação popular
O presidente da AAFITSP (Associação dos Auditores-Fiscais Tributários do Município de São Paulo), Rafael Aguirrezábal, falou que fica preocupado quando escuta que a reforma tributária vai resolver todos os problemas do Brasil. “Uma reforma que faz a fusão de tributos de competência de entes federados diferentes, ao mesmo tempo ela transfere a cobrança da origem para o destino. Existem ganhadores e perdedores com extrema diferença entre ganhos e perdas, seja entre entes federados, municípios e Estados, entre os próprios municípios, seja entre setores da economia. O setor de serviços vai ser muito prejudicado com aumento de carga tributária”, comentou.
O COMUSAN-SP (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo) foi representado por André Luzzi de Campos. “Muito se fala em reforma tributária, mas a gente precisava pensar numa justiça tributária. Uma justiça tributária para superar a fome. Essa reforma tributária vem muito no bojo de entregas ao ambiente de negócios, aos interesse do mercado, mas a cada três brasileiros, um está passando fome. Essa reforma tributária que afeta diretamente o munícipe vai aprofundar as desigualdades, vai concentrar renda, vai tirar da mão dos trabalhadores, vai trazer mais alimentos ultraprocessados, mais agrotóxicos”, opinou.
“Fazer sistemas tributários, emissão de nota fiscal, sempre foi um grande desafio porque as leis são complicadas e a minha questão é que vai ter todo um custo adicional na parte de software que as empresas vão ter que arcar, porque durante o processo de transição as empresas vão ter que operar com dois sistemas, o sistema atual e o sistema em transição por dez anos. Então, toda essa área de desenvolvimento de software, terceirização, de adaptação, vai ter um custo altíssimo para as empresas de software”, falou o cientista de dados, Fábio Ferreira de Souza.
Também participaram da Audiência Pública o vice-presidente do colegiado, vereador Isac Félix (PL), os vereadores e integrantes da Comissão Rute Costa (PSDB), Roberto Tripoli (PV) e Cris Monteiro (NOVO), o diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Manoel Nazareno Procópio de Moura Júnior, e a procuradora-geral do município de São Paulo, Marina Magro Beringhs Martinez.
Confira a Audiência Pública na íntegra no vídeo abaixo: